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21/08/2009

Sofismas neo-nativistas



Por exemplo: não há culturas mestiças porque não há culturas puras. Mas só quem fala em culturas e raças puras são os neonativistas. Porque é que intelectuais como Luís Kandjimbo afirmam repetidamente que é preciso expurgar a cultura angolana da lama da crioulidade? Porque é que defendem a limpeza cultural e étnica da literatura angolana? Resposta ao sofisma: dificilmente haverá culturas puras, logo só há culturas que se misturam e remisturam indefinidamente no tempo e no espaço. 


Confundem os neonativistas haver culturas puras com haver culturas com perfil próprio ainda que mutante. Se há culturas com perfil próprio, sempre que alguém junta coisas de duas (ou mais) cria um novo perfil, eventualmente uma nova cultura, que só pode ser definida como híbrida, misturada, portanto mestiça. Quando o seu perfil estiver definido ela se misturará com outras naturalmente. O mesmo para as raças. Luís Kandjimbo, que pretende reduzir a produção cultural angolana à fixação de uma matriz banto (que ele próprio nunca definiu), e que fala sempre na cultura e nas culturas negras, diz agora que não há raças (eu concordo), mas para negar que haja mestiços, porque todos somos mestiços. Nesse caso, que sentido faz falar de 'negros'? Se 'negros' é uma construção social errada, sem base científica, faz sentido desfazê-la e denunciá-la em vez de a manipularmos também. 

Sem dúvida que, se não todos, pelo menos a maioria esmagadora integrou misturas biológicas e culturais (alguns poucos povos se isolaram durante séculos, isso foi 'depurando a raça'?). Mas, como para as culturas, assim também para definições de cariz físico e biológico há perfis, semelhanças de família como diria Wittgenstein. Sem dúvida que não são eternos mas, enquanto duram, ajudam-nos a identificar origens diversas entradas numa nova totalidade. E, quando alguém nasce de pessoas com origens diferentes (caso extremo e hoje comum: de continentes diferentes), diz-se por isso que tal pessoa é mestiça. 

 Afirmam alguns neonativistas que só se deve levar em conta as culturas africanas 'autóctones', 'negras', enfim puras, porque foi nelas que nasceu e se deu claramente a luta contra o colonialismo, enquanto nas zonas crioulas, ou entre os que se não assumiram como 'negros', 'tradicionais', enfim bantos, houve sempre ambiguidades. É mentira: basta ver quantos não-bantos, ou mestiços de bantos e não-bantos, decididamente lutaram contra o colonialismo português em Angola. Inseridos nos conjuntos percentuais das respetivas populações, a participação desses angolanos na luta de libertação não os desonra de maneira nenhuma. Basta lembrar a tais neonativistas que o cónego Manuel das Neves era um exemplo típico de crioulo, do que nós (eu, José Carlos Venâncio, M. António) cada um à sua maneira definimos como crioulo. Resposta ao sofisma: quem lutou pela independência foi porque se tornou angolano, se sentiu e se identificou como angolano. A partir desse momento aceitou participar de uma nova totalidade que superava as definições (os perfis) anteriores. Por esse motivo encontramos, na luta de libertação, filhos de bantos e de não-bantos misturados e juntos. Todos formam hoje a nação angolana. Há mais equívocos mas estou farto de perder tempo com os equívocos neonativistas.

Ciao.